O que vocês estão olhando? #015



- O que vocês estão olhando? - Victor e Malu chegaram em casa e encontraram a Lavínia, o Raul, a Ray e o Théo, tomando café de pé na frente da janela olhando para o quintal.
- Silêncio! - Lavínia apontou para a janela.
- Quanto tempo faz que ela está lá? - Victor perguntou preocupado.
- Muito tempo.
- E vocês não fizeram nada?
- O que queria que a gente fizesse? - Théo olhou para o irmão que cruzou a porta e foi até o canteiro. - O que você está fazendo aqui?
Eu estava sentada olhando para a roseira murcha.
- É muito tarde para voltar para a ilha?
- Porque?
- Meu jardim, esqueci que era eu que cuidava do jardim.
- O Nacho vai cuidar do jardim para você.
- Quando cheguei em casa eu tive tanto medo de esquecer coisas importantes para mim outra vez que comecei a plantar uma flor para cada momento importante que vivia.
- Por isso o jardim crescia toda vez que te visitava?
- E se eu esquecer tudo outra vez?
- Lizzie, você sabe que ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Eu não sei o que vai acontecer no próximo minuto. Mas essa é a graça da vida.
- Eu sei, nós já tivemos essa conversa antes.
- Tivemos? Não lembro. - Ele brincou.
Levantei e olhei para todo mundo na janela tomando café.
- O que foi que deu neles?
- Eles estão se acostumando a ter você em casa novamente.
- Quando eu falei que queria vir não sabia que seria tão difícil assim.
- Está sendo difícil para você?
- Estou sentindo coisas que não consigo entender.
Olhei para ele e depois para a Malu que se aproximava dele.
- Você está bem?
Ela parecia diferente, como se estivesse realmente preocupada.
- As flores estavam murchas, estava cuidando delas.
- Era só isso? Todo mundo lá preocupado com você e só estava cuidando das flores?
Eu fiquei olhando para ela. O que está acontecendo com essa garota? No momento em que acho que está tudo bem ela explode desse jeito?
- Meu tio tem razão em achar que a garota da ilha não vai se adaptar na cidade.
- Malu! - Victor falou sério esperando ela se acalmar.
Poderia ficar e ver o show, mas estava preocupada com o olhar que a Lavínia lançou na minha direção. Saí e deixei ela falando sozinha, não tinha interesse no que ela estava berrando e não conseguiria entender nem se quisesse.
Malu veio falando alterada comigo me seguindo todo o caminho do jardim até o quintal onde parei e me virei para ela.
- Eu não tenho interesse no que você tem, pode ficar com o quarto que quiser da casa, não tenho interesse na empresa do Raul e não pretendo ficar nessa casa por muito tempo. Esse lugar se tornou sua casa, é mais seu do que meu. Entendo o que você sente, é a mesma coisa que sentia pela casa da ilha. Se eu sou a garota da ilha? Sim, eu me tornei a garota da ilha assim como você virou a filha perfeita dos meus pais. Você defende isso me atacando e dessa vez eu falo isso na frente de todo mundo. Nós somos adultas e eu não vou dissimular o que sinto ou o que penso. E o que vou falar agora vale para todo mundo, não tenho vergonha de ser a garota da ilha, lá foi o meu refúgio, o lugar onde cresci e onde ganhei força o suficiente para enfrentar isso aqui. Eu não tenho certeza de nada do que aconteceu antes do dia que eu acordei no hospital, talvez nunca lembre, mas não vou mais me afastar de vocês.
- Filha...
- Desculpa, Lavínia, isso é mais para o Raul e para a Malu. Eu nunca vou ser a filha que você quer que eu seja, não sei andar de salto, não sei me portar em festas como a do outro dia e não sei fingir que não me incomodo com essas coisas. Não entendam mal, não quero que a Malu saia, só estou pedindo para ela respeitar o meu espaço assim como eu respeito o espaço dela e pedindo para respeitarem quem eu me tornei. A filha de vocês é uma garota da ilha que passa horas olhando para uma roseira murcha lembrando de todas as únicas memórias que ela tem. 
Deixei eles sem reação e subi as escadas correndo, entrei no meu quarto e bati a porta.

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